A tela Baile na Roça, de Portinari, completa 100 anos. O legado de Portinari desafia as leituras, os estudos.
Trata-se de algo transcendente, de beleza sublime e a melhor leitura, talvez, é a simples contemplação, a fusão com a paisagem artística, um tipo de comunhão mística, mais intuitiva que racional.
A poesia e a tela de Portinari são intertextos que se completam, se iluminam. O baile é mais que figurativo, ele é figural. O poema sobre o povoado menciona o baile de pessoas humildes, à margem, segregadas. A tela de Portinari é um verdadeiro hino de louvor às pessoas humildes. E esboça a ideia de uma nova sociedade, além de recortes ideológicos, uma república democrática da arte.
A pujança sublime da tela é devida, em parte, à presença de um tema mítico, o que é comum em todas as grandes realizações estéticas. Entre os gregos, o deus Dioniso dança, à noite, com aqueles socialmente marginalizados. Entre os indianos, o deus Xiva dança com todos os seres. A vida, assim, é um bailado cósmico, para todos e onde entram todos. A obra de Portinari, então, é resistência, é libertação, mais elevada e mais profunda do que qualquer viés ideológico que incomoda o senso comum.
Baile na Roça plaina, paira, além de dogmas e ideologias.
…sua produção é uma celebração da vida e não da dor ou sofrimento. Na tela, o claro emerge do escuro, a luz emerge da sombra, a consciência da inconsciência, pois, etimologicamente, luz e conhecimento pertencem ao mesmo campo semântico. A tela, então, sugere um novo dia, uma nova ordem social sem divisões.
…é um tipo de imagem que fertiliza e ilumina o universo simbólico do Menino de Brodowski.
Todos os brodowskianos são meninos inseridos em uma grande alma plural, coletiva, ou seja, Portinari. Assim, convido os meninos e as meninas de Brodowski a contemplarem a tela, a transformarem a vida em celebração, a tornarem a vida em algo poético e a ajudarem a construir um mundo mais humano, mais justo, mais fraterno, a partir da paisagem artística. E a vida pode e deve ser um bosque de delícias, quando esteticamente vivida. É a poiesis trazida para o dia a dia.